Por Hudson Eygo
Até onde você iria, na busca da realização de um sonho?
E se esse sonho fosse tudo o que você tem?
Você desistiria diante do primeiro obstáculo?

Para além de qualquer
diagnóstico clínico ou acusação, o filme retrata mais de que a história
de um sociopata e serial killer que mata mulheres em busca da sua
essência virginal. Esse personagem é, antes de tudo, um homem com um
objetivo: fazer o melhor perfume do mundo.
O cenário do filme é a Paris de 1738,
[...]
as pessoas podiam fechar os olhos diante da grandeza, do assustador, da
beleza, e podiam tapar os ouvidos diante da melodia ou de palavras
sedutoras. Mas não podiam escapar do aroma. Pois o aroma é o irmão da
respiração. Com esta ele penetra nas pessoas, eles não podem escapar-lhe
caso queiram viver. E bem para dentro delas é que vai o aroma,
diretamente para o coração, distinguindo lá categoricamente entre
atração e menosprezo, nojo e prazer, amor e ódio. Quem dominasse os
odores dominaria o coração das pessoas (Trecho da narração de abertura
do Filme: Perfume – a história de um assassino).
São os
odores que movem essa trama, do início ao fim. A história gira em torno
do dom incomum de Jean-Baptist, seu superolfato, capaz de distinguir
entre qualquer cheiro/essência, mesmo em longas distâncias.
O
panorama onde tudo começa é o mercado municipal, um ambiente fétido,
contaminado pelos mercadores de peixe e, assim como, sem lógica alguma,
Jean-Baptiste é literamente expelido do ventre de sua mãe, embaixo de
uma mesa, no meio do mercado. A mulher, sem qualquer remorso, planeja ao
final do dia recolher os restos mortais do recém-nascido e descartá-lo
no rio que corta a cidade, exatamente como foi feito com seus outros
quatro filhos. E meio como que pedindo socorro, Jean-Baptiste começa a
chorar, delatando a mãe, que, pela monstruosidade do plano, é condenada à
morte.
Começa a saga do bebê, que vive sendo levado para todos os lados, mas sem pertencer a canto algum.
No
orfanato, assim como as outras crianças, Jean-Baptiste nunca soube o
que era o amor maternal, mas também não se atreve a conquistar a amizade
de outras crianças. Nunca soube como fazer
parte de algum grupo,
sempre solitário, não sentia falta de ninguém, e passava os dias assim,
horas e mais horas admirando o mundo que podia descobrir através do
cheiro.
Ainda no orfanato, nosso personagem demonstra os
primeiros traços de perversão em sua personalidade, pois a psicopatia
(ou transtorno da personalidade antissocial) consiste num conjunto de
comportamentos e traços de personalidade específicas, caracterizados por
um desvio de caráter, pela ausência de sentimentos genuínos, frieza,
insensibilidade aos sentimentos alheios, manipulação, egocentrismo,
falta de remorso e culpa para atos cruéis e inflexibilidade com castigos
e punições.
Quando não teve mais idade para permanecer no
orfanato Jean-Baptiste foi vendido para um curtume, onde passou anos
trabalhando exaustivamente em rotinas diárias de dezesseis horas, e
contra todas as probabilidades, mais uma vez ele sobreviveu. Sim, nosso
personagem é um sobrevivente. Um tipo que não se encaixa, mas também não
sente falta disso. Ele passa os dias voltado para si, imerso em seu
próprio mundo, em suas descobertas, nos cheiros. É um prazer puramente
narcisista.
A grande mudança e o desenrolar da trama se dão
quando Jean-Baptiste vai pela primeira vez à cidade. Perdido em meio à
multidão ele fica encantado com a aquarela de odores. Para ele não há
cheiro bom ou ruim... São apenas cheiros.
E nesse dia ele sente
um aroma diferente, único, exalado por uma bela ruiva que trafega
livremente pela capital francesa. Jean-Baptiste não consegue se libertar
daquele aroma e persegue a moça, que assustada, foge. Ele, temendo ser
pego, tapa a boca da jovem para que esta não possa gritar, passa-se
algum tempo, e ele nem percebe quando ela morre sufocada em suas mãos.
Ele não se conforma com a morte da moça, ao perceber que seu cheiro se
esvai junto com a vida, e inebriado pela lembrança daquele aroma
extasiante, ele entende que precisa encontrar um meio de preservar os
cheiros.
Em momento algum ele se preocupou com o fato de a jovem
ter morrido, ou de ter-lhe tirado a vida. Sua frustração foi única e
exclusivamente em não conseguir capturar aquela essência, os psicopatas
não sentem culpa e em geral culpam outras pessoas de seus
comportamentos. Raramente aprendem com seus erros ou conseguem frear
seus impulsos.
Logo surge a oportunidade, e Jean-Baptiste é
vendido como aprendiz de perfumista. No novo oficio ele trabalha dia e
noite na fabricação de perfumes, a fim de aprender a arte da destilação.
Logo entende que o método não é suficiente para satisfazer suas
necessidades. O aprendiz de perfumista convence seu mestre a lhe fazer
uma carta de recomendação e migra para Grasse, no interior do país, para
aprender a técnica da odorização, um método mais eficaz que a
decantação, para preservar os aromas.
Em sua viagem rumo à cidade
de Grasse, Jean-Baptiste se recolhe por um período de tempo em uma
caverna, onde, curiosamente, encontrara paz. Naquele lugar distante de
tudo e de todos.
[...] Pela primeira vez na sua vida, ele
não se via na obrigação de cheirar, a cada fôlego, algo de novo, de
inesperado, de hostil, ou de perder qualquer coisa agradável. Pela
primeira vez era-lhe dada à oportunidade de respirar quase à vontade sem
ter, incessantemente e ao mesmo tempo, olfato atendo (Trecho da
narração do Filme: Perfume – a história de um assassino).
E ao retomar sua viagem o aprendiz de perfumista descobre que finalmente era alguém, que era excepcional.
Na
nova cidade Jean-Baptiste rapidamente se estabelece, e se mostra um
aluno brilhante. Depois de algumas tentativas fracassadas, aprende a
arte da odorização a frio, e recomeça seu plano de preservar os cheiros,
a fim de compor uma sinfonia de aromas, 13 notas/tons/odores que
resultariam no melhor perfume do mundo. Nosso aprendiz de perfumista era
também um artista.
Os psicopatas sempre causam boa impressão. No
entanto costumam ser egocêntricos, desonestos e indignos de confiança.
Com frequência adotam comportamentos irresponsáveis sem razão aparente,
exceto pelo fato de se divertirem com o sofrimento alheio. Ou, como no
caso de Jean-Baptiste, eles têm um objetivo especifico, e não medem
esforços para alcançá-los. Outro traço marcante no comportamento de um
psicopata é a incapacidade de lidar com a frustração.
Uma a uma,
12 virgens são assassinadas, e têm suas cabeças raspadas, mas sua
virgindade não é violada. O caso intriga as autoridades, a cidade entra
em estado de alerta, todos estão apavorados. Só falta uma moça, Laure, a
bela ruiva filha do vice-cônsul Antonie Richs. Jean-Baptiste amava
aquele perfume mais que tudo, era a essencial final, que daria o último e
principal acorde à sua sinfonia de aromas.
Temendo o que poderia
acontecer à sua filha o vice-cônsul, certo de que a beleza de Laure
atrairia o assassino, abandona a cidade e foge com ela. Jean-Baptiste,
auxiliado por seu dom incomum, percebe que o perfume se distancia da
cidade, e parte em sua busca. Nesse meio tempo ele é descoberto, e uma
infantaria também parte da cidade em sua captura. Os esforços de Richs
não são suficientes, e sua filha acaba sendo morta pelo assassino de
mulheres.
Já estamos chegando ao final do filme, e Jean-Baptiste consegue por fim terminar seu perfume quando é capturado.
O
veredito foi pronunciado no dia 15 de abril de 1766 [...] O perfumista
Jean-Baptiste Grenouille, será conduzido nas próximas 48 horas até ao
pátio, diante das portas da cidade e, ali, de rosto virado para o céu,
será atado a uma cruz de madeira e receberá, ainda em vida, doze
pancadas com uma barra de ferro que lhe quebrarão as articulações dos
braços, das pernas, das ancas, dos ombros, após o que permanecerá nessa
cruz até que a morte sobrevenha (Trecho da narração do Filme: Perfume – a
história de um assassino).
O instante final chega, e o
perfumista, munido de um traje elegante, caminha até seu carrasco, para
receber a pena. O seu semblante, tranquilo, desperta ainda mais desprezo
na população da cidade que lota a praça, na esperança de ver tão vil
criatura ser torturada até à morte.
Mas a tranquilidade do
perfumista escondia sua cartada final, é que no centro do pátio,
Jean-Baptiste retira do bolso seu perfume, despeja uma gota do liquido
milagroso em um lenço e faz um movimento no ar, como uma saudação,
permitindo que o vento conduza o aroma ao nariz de todos, que num
instante, estão inebriados. O aroma, à medida que atinge o olfato das
pessoas vai provocando um estado de transe hipnótico, nesse instante as
pessoas não sentem mais ódio pelo assassino. Seus corações ardem em uma
paixão insana por Jean-Baptiste, e a imagem do monstro dá lugar à figura
de um anjo. Num súbito momento, todos, até mesmo o bispo da cidade,
rendem-se às paixões da carne, e começam a se amar em praça publica. Não
há quem escape, todos dançam conforme a música do maestro. Pois
“[...] Quem dominasse os odores dominaria o coração das pessoas.”
(Trecho da narração de abertura do Filme: O Perfume – História de um
assassino).
Algumas horas depois, quando a população acorda, e
todos percebem o que tinham feito, a culpa corrompe seus corações, e
como Jean-Baptiste já estava longe o suficiente para ser preso, eles
decidiram condenar um inocente, que após 14 horas de tortura, confessou
os crimes, e é levado à forca.
O perfumista regressou à Paris.
Com o que tinha nas mãos, ele poderia dominar o mundo, se quisesse
poderia ser o novo Messias, um novo Papa, controlar centenas de milhares
de pessoas, poderia escolher ser um Imperador Supremo, ou mesmo um Deus
na Terra.
Só havia uma coisa que o perfume não poderia fazer,
ele não poderia transforma-lo numa pessoa que podia amar e ser amado
como o resto dos homens, “Então vá para o inferno”, ele pensou. “Maldito
Seja o homem, o perfume e até ele mesmo”. (Trecho da narração do Filme:
O Perfume – História de um assassino).
Jean-Baptiste é
conduzido, por sua memória olfativa, ao mercado de peixe onde nasceu, e
lá, no dia e 26 de junho 1767, ele desenrosca a tampa do pequeno frasco,
e assim como quem não quer nada, deixa-se banhar por aquele liquido. A
população de mendigos e pedintes que ali ficavam não pode resistir
àquela beleza angelical, ele se deixou ser tomado por todas aquelas
pessoas. Todos queriam para si um pedaço que fosse daquele ser divino,
então eles, literalmente, o devoraram, pedaço por pedaço, sendo ingerido
em praça pública.
Jean-Baptiste tem sua vida atravessada por uma
serie de mortes. A primeira de sua mãe que, ao ser delatada pelo choro
agudo do filho, foi condenada à forca, a da madre que lhe prestava
cuidado no orfanato, seu empregador no curtume, seu mestre de
perfumaria, todas as virgens com quem cruzou caminho e, por fim, a sua
própria. Assim como veio ao mundo, no chão imundo e fétido do mercado
municipal, ele o deixou.
Mais que um assassino, ou um psicopata,
o filme retrata o perfil de um homem que não consegue ter nenhum
sentimento por ninguém. Mas que a satisfação de desejos próprios,
Jean-Baptiste luta pela realização de um sonho, ele tem um objetivo, e
fará o que for necessário para consegui-lo.
Ele busca compensar
no assassinato dessas mulheres, a criação do melhor perfume do mundo,
não são mortes em vão, afinal, elas morem por um bem, pois se continuam a
viver, seu aroma logo se corromperá. Tudo o que Jean-Baptiste busca
inocentemente é preservar este cheiro que tem que ser apreciado por
todos.
O que ele quer na verdade é que todos percebam o mundo
como ele sente, ele é superior, e não faz questão nenhuma de demonstrar
que pensa ao contrario. Jean-Baptiste consegue alcançar o coração das
pessoas porque aprendeu naturalmente que as pessoas gostam de ser
agradadas, e ele faz isso com maestria, a fim de conseguir o que quer.
E nessa conflitiva incessante entre certo e errado que o filme se desenrrola.
Saiba mais:
Segundo
vários estudos, existem diferentes graus de psicopatias. Os mais comuns
são aqueles que dificilmente matam, estes são os mais difíceis de serem
diagnosticados, pois tendem a se passar despercebidos no ambiente
social. São considerados “psicopatas comunitários”. Eles geralmente
possuem inteligência média ou até mesmo maior que a média, são frios,
racionais, mentirosos, dissimulados não se importam com os sentimentos
alheios, são muito manipuladores, e sempre passam uma imagem de
inocente.
Esse psicopata raramente vai para cadeia, mas quando
por algum motivo vai é tido como preso ‘exemplar’ pelo seu bom
comportamento. Comumente foram crianças que já apresentavam traços de
frieza, insensibilidade e intolerância a frustrações, que podem ser
evidentes em condutas como maus-tratos a coleguinhas, animais, mentir,
roubar e etc.
Já o psicopata do grau “Moderado ao Grave”,
corresponde àquele individuo que atende aos requisitos do Transtorno da
Personalidade Antissocial. São geralmente agressivos, impulsivos, frios,
sádicos, mentirosos, não possuem empatia e são, quase sempre, autores
de assassinatos e serial killers, cujos verdadeiros instintos ninguém é
capaz de desconfiar. É comum nessas pessoas um histórico de doenças
neuropsiquiátricas como: depressão, déficit de atenção, transtorno de
ansiedade ou outros distúrbios de personalidade, além de um persistente
sentimento de vazio existencial e tédio. Frequentemente foram crianças
introvertidas e que apresentaram transtorno de conduta.
É de
destacar que por mais intrigantes que sejam os graus de psicopatias, um
ponto comum deve ser considerado: em todo o ambiente intrafamiliar é
marcado por diversos e extensivos conflitos.
O transtorno parece estar associado a 3 fatores:
a) Disfunções cerebrais/ biológicas;
b) Trauma neurológico/ predisposição genética;
c)
Traumas sócio-patológicos na infância. (Ex: Abuso sexual na infância,
emocional, violência, conflitos e separação violenta dos pais.)
Uma
análise fisiológica afirma que, todo individuo antissocial possui um
desses comportamentos no histórico da sua vida. Entretanto nem toda
pessoa que sofre algum tipo de abuso na infância vai se tornar
psicopata, sem ter uma influência genética ou distúrbio cerebral.
Referências:
Handbook of psychopathy – Christophen J. Patrick (Ed. Juil-fond Press. 2007)
Scott o Lilienfeld e Hal Askowitz – Universidade do Arizona
Wilhout
conscience, the disturbing worlf of psychopaths among us – Robert D.
Have (Ed. Ynilford Press. 1999) http://www.psicopatia.com.br/
http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/o_que_e_um_psicopata_.html
http://psicopatasss.blogspot.com/2009/08/sintomas-psicopatas.html
http://www.psiqweb.med.br/site/DefaultLimpo.aspx?area=ES/VerClassificacoes&idZClassificacoes=50
http://www.psicosite.com.br/tra/out/personalidade.htm
http://www.abcdasaude.com.br/artigo.php?422
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol32/n1/27.html
Ficha Técnica do Filme:
PERFUME - A HISTÓRIA DE UM ASSASSINO
Título
Original: Das Parfum - Die Geschichte eines Mörders / Perfume: The
Story of a Murderer País de Origem: Alemanha / França / Espanha Gênero:
Drama Classificação etária: 16 anos Tempo de Duração: 147 minutos Ano
de Lançamento: 2006 Estúdio/Distrib.: Paris Filmes Direção: Tom
Tykwer
Texto originalmente publicado em: http://ulbra-to.br/encena/2012/09/25/Perfume-a-historia-de-um-assassino
Bem interessante, não tinha olhado o filme por esse lado, realmente ele tem toda a característica de um psicopata. Eu também fiz análise sobre o filme, com uma visão psicanalítica, caso queira olhar, e dizer o que achou. ;]
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