domingo, 19 de junho de 2011

A PSICOLOGIA DE "OS SIMPSONS"


A ALMA DE HOMER SIMPSON


Discutir uma das questões mais profundas e clássicas da psicologia, ou seja, a vida mental e a relação mente-corpo, é o objetivo central do artigo de Pizarro e Bloom, publicado originalmente em 2006.

Nós sabemos que nossas mentes são produtos de nossos cérebros, até mesmo podemos utilizar métodos de ressonância magnética para localizar certos tipos de eventos mentais, mas,continuamos tendo um enigma a decifrar, que está relacionado à própria existência da vida mental, que é: como o cérebro gera dor, amor, moralidade e consciência?

Mesmo sem resolver este problema, os cientistas vêm conseguindo fazer grandes progressos, assim como psicólogos clínicos não precisam resolver o problema da mente/corpo para encontrar as causas de desordens mentais específicas e propor possíveis tratamentos.

O que o programa de TV “Os Simpsons” pode dizer sobre este tema? Para Pizarro e Bloom, por meio deste programa, podemos ter bons insights sobre a metafísica proveniente do senso comum, sobre como as pessoas pensam acerca da consciência, do cérebro e da alma. O mundo ficcional de “Os Simpsons”, assim como tantos outros, encorporam nossas intuições sobre a natureza das coisas e, consequentemente, um estudo sobre o mundo de “Os Simpsons” pode nos enisnar algo sobre essas intuições.

Essas noções estão inteiramente ligadas às nossas crenças religiosas e todos os tipos de questões sociais e políticas, incluindo pesquisa de célulatronco, clonagem, aborto e eutanásia entre outros.

Os autores Pizarro e Bloom tomam a personagem de Homer Simpson para ilustrar essas reflexões. No início, Homer era caracterizado como um chefe de família com falhas, mas amoroso. Ao longo do programa, suas características foram exarcebadas, ele passa, inclusive, a tratar sua família com uma indiferença criminal e também de forma estúpida e fantástica. Esse exagero de suas características pode trazer à luz fatos e distinções que são mais sutis e de difícil análise no mundo real.

Homer tem, no mínimo, três partes: ele mesmo, o seu cérebro e a sua alma. A metafísica implícita em “Os Simpsons” proporciona uma chocante ilustração de como nós naturalmente traçamos estas distinções no mundo real.


HOMER E SEU CÉREBRO

Pizarro e Bloom resgatam o filósofo Descartes, que questiona fortemente o que podemos saber com certeza. Ele presumiu que nossas memórias podem ser ilusões, duvidou da existência de nosso corpo, ao supor um Deus Enganador que criaria ilusoriamente uma experiência sensorial (uma versão moderna desta questão pode ser encontrada no fime “Matrix”, onde o mundo é descrito como experiências criadas por computadores maléficos).

Mas, com sua afirmação famosa “penso, logo existo”, Descartes conclui que há uma coisa que não podemos duvidar. Eu posso duvidar da existência do meu corpo, mas não posso duvidar da existência do meu “eu”. Essa concepção cartesiana tem como consequencia a ideia de que há duas substâncias distintas: um corpo e um “eu”.

Pizarro e Bloom defendem que, filosoficamente, este método é suspeito, porque a possibilidade de pensar um “eu” sem um corpo não significa que isto é, de fato, possível. Além disso, há evidências abundantes de que a vida mental de Descartes é produto de seu cérebro.

Contudo, nós, intuitivamente, não tomamos o cérebro como fonte da experiência consciente. Ao invés, pensamos o cérebro como uma prótese congnitiva, por exemplo, como um computador portátil.

Esta é, certamente, a concepção presente em “Os Simpsons”. O cérebro de Homer não é Homer. É como se fosse um companheiro inteligente de Homer: útil, ainda que limitado, livro de referência, calculadora e fonte ocasional de conselhos decentes. Esta distinção entre Homer e seu cérebro apresentada no programa é algo que os telespectadores não estranham. Pois, se fosse o caso, essas situações encenadas seriam vistas apenas como alucinações, o que não parece ser o caso.

Pessoas com a mais alta formação, como cientistas, têm dificuldade em abandonar esta distinção intuitiva entre cérebro e mente. Técnicas modernas de imagem cerebral permitem hoje observar o cérebro quase em tempo real e fazer experimentos para observar o funcionamento deste em diversas situações, como, por exemplo, identificar regiões do cérebro que são ativadas quando pensamos em determinada coisa.

Mas, até onde sabemos, o pensar e a ativação de regiões do cérebro são a mesma coisa: a “ativação” é o “pensar”. No entanto, encontramos frequentemente, mesmo em artigos científicos, o dualismo proveniente do senso comum que distingue a mente do cérebro. E, desta forma, o “eu” não sendo material, mantém aberta a possibilidade de que possamos sobreviver a destruição de nossos corpos.


A ALMA DE HOMER

Até aqui, as noções em que “Os Simpsons” estão baseados são universais: um dualismo do senso comum, uma crença que nós ocupamos nossos cérebros/corpos, mas não somos, em nossa essência, físicos. Contudo, existe algo mais: uma alma, distinta de nós mesmos e de nossos cérebros.

A alma parece ser um pouco menos universal: a concepção do senso comum acerca da alma difere de sociedade para sociedade. A visão “simpsoniana” sobre o tema alinha-se com a Doutrina Cristã: a alma é o que persiste após a morte, indo para o céu ou para o inferno, além de ser a base para a moralidade. Um episódio citado como exemplo de tal concepção é intitulado “The Devil and Homer Simpson” (“O Diabo e Homer Simpson”), onde Homer vende sua alma por um donut e tem que enfrentar um julgamento para tentar salvá-la.

Mesmo que ainda tenhamos muitas perguntas sem respostas quanto ao problema mente/corpo, existem determinadas coisas que psicólogos e neurocientistas, de fato, sabem: o cérebro é a fonte da vida mental; nossa consciência, emoções e vontades são produtos de processos neurais, ou seja, nossas mentes são produto de nossos cérebros físicos e não separados deles, e não existem almas para se vender.

Pizarro e Bloom concluem seu artigo mostrando como idéias que estão enraizadas no senso comum, como as aqui apresentadas por meio do programa de TV “Os Simpsons”, são de difícil transformação, pois já estão totalmente inseridas em nossas linguagens e hábitos do dia a dia e, por isso, aqueles que desejam se afastar destas idéias do senso comum não devem se espantar com a tamanha resistência que irão encontrar. Seria igual conseguir que Homer rejeitasse o donut do diabo.



FONTE: http://era.org.br/wp-content/uploads/A_ALMA_DE_HOMER_vers%C3%A3o-fina-okl.pdf



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