A discriminação tem consequências físicas e psíquicas muito
mais duradouras para suas vítimas do que constrangimentos pontuais. Um
estudo realizado com estudantes da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC) mostrou que aqueles que sofreram discriminação possuem
4,4 vezes mais chance de apresentar sofrimentos psíquicos como
ansiedade, depressão ou dificuldade de concentração para atividades
cotidianas.
No estudo realizado pela estudante de
odontologia e bolsista do Pibic (Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica) Maria Vitória Cordeiro de Souza, 1.023 dos 19.963
estudantes matriculados na UFSC responderam a um questionário que
perguntava tanto sobre experiência de discriminação quanto transtorno
psíquico.
Entre os que relataram ter sofrido algum evento discriminatório, a prevalência de sofrimento psíquico atingiu cerca de 50%
“Se fala da discriminação no Brasil como
particularmente velada ou ocultada, mas não foi isso o que apareceu no
estudo. A discriminação ocorre de um modo explícito. Todas as questões
que a gente abordou não eram sutis, elas não geravam dúvidas. Este
conceito que temos de uma nação tolerante me parece mais uma fábula”,
disse professor de Saúde Pública da universidade e coordenador das
pesquisa João Luiz Dornelles Bastos.
Entre os que relataram ter sofrido algum evento discriminatório, a
prevalência de sofrimento psíquico atingiu cerca de 50%. O estudo da
UFSC não limitou a discriminação a uma situação específica. O
questionário apontava 18 motivos para ter sido discriminado e também
deixava espaço para que o respondente escrevesse o motivo. Entre os
alunos que responderam o questionário, a maioria era branca.
“O
diferencial desta pesquisa é que ela é mais abrangente. A pessoa não
sofre discriminação um dia porque é negra, outro porque é pobre e no
outro porque é mulher. Essas coisas acontecem simultaneamente”, explica
Bastos.
Entre os principais motivos de discriminação apontados pelos
estudantes da universidade estavam roupa, posição social, local de
moradia, cor e raça, idade e comportamentos específicos. Os resultados
da pesquisa foram apresentados no Congresso Mundial de Epidemiologia, no
Alasca (EUA).
Racismo
A discriminação é
apontada como um fator de risco para doenças, especialmente as mentais.
Estudos mostram que há também agravos em hipertensão, colesterol. “O que
vemos é que a discriminação é um determinante na saúde das pessoas. É
um causal”, diz Bastos.
No caso da discriminação racial, o que se percebe é que ela concentra
uma pressão muito grande e em todos os momentos da vida do indivíduo. O
psicanalista Marco Antônio Chagas Guimarães, que não participou do
estudo da UFSC, destaca que o racismo promove um acúmulo de pressão que
não pode ser escoado como ocorre com a população branca. “Esses eventos
são diários e 24 horas por dia, seja quando entra no elevador, na
escola, no ónibus”, disse.
Guimarães afirma que o
atendimento de pacientes negros tem mostrado que as repercussões
psíquicas de racismo são humilhação, baixa estima, timidez excessiva,
irritabilidade, ansiedade intensa, estados fóbicos, hipertensão,
depressão, obesidade, agressividade, uso de álcool ou outras drogas.
Guimarães afirma que episódios como o ocorrido com o
goleiro Aranha, do Santos, que denunciou para o juiz da partida
torcedores do Grêmio que o chamavam de macaco, são de extrema
importância para o combate ao racismo. “É claro que tem uma raiva, mas
ele soube utilizar esta raiva de uma maneira madura. Outra coisa é que
ele teve voz. Quantas crianças sofrem racismo desde sempre e não
conseguem ter voz para se defender disto”, afirma
Racismo institucionalizado no sistema de saúde
De
fato, o racismo faz mal a saúde. Seja por conta das consequências
físicas e emocionais ou por conta do racismo perpetrados nos usuários do
sistema de saúde. “O racismo é estruturante das relações sociais
brasileiras e isto aparece nos atendimentos de saúde e de qualquer
instituição”, explica.
Bastos destaca três estudos importantes
realizados nos últimos 15 anos no País que comprovam que pacientes
negros tendem a sofrer discriminação no próprio posto de saúde.
O
primeiro, realizado no Rio de Janeiro pela pesquisadora da Fiocruz Maria
do Carmo Leal, em 2011, mostrou que gestantes negras recebiam 50% menos
anestesia que gestantes brancas. Outra pesquisa, realizada em Pelotas
(RS), mostrou que mulheres negras eram menos submetidas a exames de
Papanicolau que brancas. “O exame é importante para a detecção de câncer
do colo uterino e deve ser feito com frequência”, disse.
Um
terceiro estudo, realizado em 2005 por Etenildo Dantas Cabral, da
Universidade de Pernambuco (UFPE), com dentistas do Recife, concluiu que
os profissionais tenderam a recomendar a extração dentária com maior
frequência em pacientes negros.
O estudo consistia em mostrar para
dentistas os dados de um paciente hipotético com muitas caries e
perguntar se eles recomendavam a extração do dente ou o tratamento. Três
meses depois, o mesmo caso era mostrado para os dentistas, mas a foto
do paciente era alterada para a de um homem negro. O resultado mostrou
que 9,4% dos dentistas preferiram extrair o dente do paciente negro. No
entanto, nenhum dentista decidiu extrair o dente do branco.
“Não
existe uma questão biológica para esta diferença. O que os estudos
mostram é que ninguém quer ter contato com esta mulher negra, ou que a
decisão de extrair ou tratar um dente tem relação com a cor do
paciente”, diz Bastos.
Fonte: IG
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