A QUASE "ANTIPOESIA" MELANCÓLICA DE AUGUSTO DOS ANJOS
Caminhando às avessas do sentido e objetivo estético de qualquer definição mais tradicional de poesia e nadando de encontro à maré de sentimentalismo e delicadezas reinantes, Augusto dos Anjos em seu Psicologia de um Vencido – soneto de versos decassílabos -, traz palavras que destoam do lirismo julgado adequado pela maioria de seus “colegas”
de movimento literário, empregando termos do campo das Ciências Biológicas e a evocação de ambientes e sujeitos que fogem completamente à estética da poesia, como a noção do mundo ligada a uma provável figuração de um doente num hospital e a ação do verme como sujeito que age na destruição do “Eu” do autor, este em um completo drama existencial.
Neste soneto, bem como em outros diversos poemas, Augusto dos Anjos desconstrói, modifica e surpreende a tradição da poesia brasileira, fugindo de conceitos de beleza, sentimentalismo e fantasia comuns ao período e é interessante o uso que faz de termos “antipoéticos” como amoníaco, epigênese e carbono, além do já mencionado verme e da comum depreciação de si mesmo quando utiliza a palavra monstro no segundo verso. Entretanto, se o poema vai na contramão da estética tradicionalista, traz ao mesmo tempo uma magnífica visão fria da morte.
Abaixo o poema completo e um convite a uma leitura mais demorada e atenta deste legítimo clássico da literatura nacional:
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Fonte: http://www.elogiodacultura.com/



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