A PSICOLOGIA CONTRA-HEGEMÔNICA TEM ALGO A VER COM AS GREVES NAS FEDERAIS?
Por José Anézio
"Você, que estuda numa faculdade
particular ou numa universidade estadual, você que, enfim, não viveu
diretamente as greves nas universidades e nos institutos federais: esse texto
também é pra você! O meu principal objetivo com ele é matar o mito de que a realidade
das públicas e das privadas é completamente diferente. Então vou começar por
uma particularidade da educação pública federal (o que eu vivo), pra falar da
realidade geral da psicologia (que todas e todos nós vivemos). Quem vem comigo?
O meu segundo maior objetivo é trazer um primeiro saldo da greve das federais
para a educação brasileira (tema de todo o movimento estudantil nacional), e o
meu terceiro é trazer mais um elemento para pensarmos um rumo novo para a
profissão Psicologia (tema do Movimento Estudantil de Psicologia (MEPsi)). Acho
que esses três objetivos são indissociáveis.
Como todas e todos devem saber, já há alguns anos que o Movimento Estudantil
Nacional de Psicologia tem procurado, cada vez mais e mais, inventar uma nova
psicologia. Partimos do pressuposto de que a atual situação da nossa profissão
fala de um interesse declarado por mudanças, uma face progressista, mas
recheada por práticas e conteúdos que vão na contramão disso. A psicologia
brasileira não é declaradamente conservadora, mas se a gente olhar bem de
perto, vai descobrindo que não é uma profissão assim tão transformadora não! No
entanto, não podemos jogar o bebê fora com a água do banho, e o nosso desafio é
sair do atual cenário reformista, no qual o bebê é lavado sempre com a mesma
água de todos os banhos anteriores. Parece que demos banho, mas o moleque tá
imundo, mano!
Essa é a psicologia hoje, eu fico feliz de saber que muitas pessoas homofóbicas
(em comportamentos ou apenas em pensamentos, mas enfim, pessoas criadas em uma
sociedade homofóbica, e que não puderam escolher se o seriam ou não, mas que
ainda são profundamente homofóbicas), são contrárias à cura de homossexuais.
Isso faz parecer que o bebê tá lavadinho. Mas nós sabemos que essa profissão
ainda tem muitos compromissos com o sistema de exploração capitalista, com as
atuais políticas neoliberais do governo federal, com a defesa da propriedade
privada e de valores morais conservadores, e que a nossa força de vontade
sozinha não vai mudar esses compromissos: quem promove essa mudança são as
pessoas, em luta, em formulação, do jeito que estamos fazendo hoje no movimento
estudantil.
Sabemos também que o espaço de formação (a universidade, a faculdade, a
instituição de ensino superior) é um componente importante da reprodução desta
atual cara da psicologia, e que a invenção de uma nova cara não pode ignorar
este espaço. Como estudantes, estamos debatendo esta reinvenção da profissão
exatamente no lugar onde boa parte desta reinvenção poderá ser iniciada: nos cursos
de psicologia do Brasil inteiro.
Porém, no último ENEP (Encontro Nacional de Estudantes de Psicologia), enquanto
discutíamos os 50 anos da profissão (transmitidos em 5 anos de formação), boa
parte de nós vivia uma mesma realidade por todo o Brasil: estudantes, docentes
e técnicos das federais em greve! Mais do que uma mera luta por aumento nos
salários, essas três greves (assim como a greve nos institutos federais)
traziam o debate sobre a atual situação gravíssima da educação brasileira, e
também uma denúncia sobre o projeto que o governo federal tem tentado
aprofundar: projeto de sucateamento e privatização da educação, e de
transformação da educação pública numa mera formação técnica de profissionais
acríticos para o mercado de trabalho. São os interesses de quem paga os
salários, que também é quem paga o financiamento das campanhas eleitorais. Ou
seja, muita gente se juntou, durante as greves nas federais, para pensar e
exigir uma educação voltada para a formação crítica e transformadora, para a produção
de conhecimentos que sigam esse caminho, e não o mero caminho de repetição da
atual paisagem, cada vez mais apodrecida. Chamo atenção para a intersecção de
interesses: essa educação almejada pelas e pelos grevistas, é exatamente a
educação que precisamos para abrir caminhos rumo à nova psicologia que está em
gestação no MEPsi.
Como a greve nas federais pode ter a ver com a
formação em psicologia nas estaduais e nas particulares? Em primeiro lugar,
porque questionou o projeto educacional aplicado pelo MEC (o mesmo que também
regulamenta o ensino superior nas estaduais e nas faculdades pagas). Além
disso, serviu como oportunidade de juntar a esquerda do movimento estudantil
nacional, no Brasil inteiro, tanto entre si como com a esquerda docente e dos
técnicos. Com isso, foi possível esboçar uma nova experiência de projeto
contra-hegemônico para a educação, assunto que me leva a recomendar que
pesquisem sobre o PNE da Sociedade Brasileira. Estou ousando afirmar que as
greves da educação federal em 2012 apontam a possibilidade de construção
unificada de outro projeto transformador para a educação, e que a construção do
projeto contra-hegemônico para a psicologia precisa acontecer nos marcos desta
construção unificada: se lutarmos ao mesmo tempo por outra psicologia e por
outra profissão (neste segundo caso, em unidade com os demais movimentos
sociais, principalmente da educação, mas não apenas), as duas lutas se
consolidam, e a psicologia surgida destas lutas nascerá muito mais madura e
consciente de si mesma.
Recomendo não só às e aos estudantes de psicologia das universidades federais,
mas também das estaduais e das particulares, que estudem o cenário nacional e
os diversos cenários locais destes últimos meses, para entender a luta política
entre governo/capital e trabalhadores/estudantes, tanto o surgimento, quanto o
desenvolvimento, e também o desfecho. Precisamos pensar as pautas de
reivindicação das greves nacionais e também de cada greve local nas várias
universidades do Brasil, sempre com uma pergunta como pano de fundo: o que isso
nos ensina para a luta por uma psicologia transformadora?
Por fim, chamo atenção para a experiência do Comando Nacional de Greve
Estudantil, que nos ensinou como driblar as burocracias institucionais que
amarram as lutas, e inventar instrumentos de organização por fora destas
barreiras. Saber como se organizar para a luta, e como estamos nos organizando,
é tão importante quanto saber em nome de que lutaremos.
Este assunto está muito mais próximo de você do que você pensa. Caso pareça que
algo ficou muito abstrato ou distante, comente, pergunte, ou mesmo me procure
em particular para perguntar. Uma coisa a mais que essa greve nos ensinou: quem
tem mais experiência no movimento não é necessariamente quem sabe mais sobre os
rumos a serem tomados, e muitas vezes o conhecimento que falta aos experientes
é justamente aquele produzido através do olhar que só tem quem está olhando
pela primeira vez. Então espero poder tirar dúvidas de quem quer entender
melhor tudo o que foi dito aí em cima, pra poder aprender mais com essas
pessoas. E assim, fazermos juntos a transformação da atual psicologia em uma
psicologia que transforme a atual sociedade!
Beijinhos de maracujá!"



Enfim, só reiterou o que eu já pensava antes. Essa greve não serviu pra porra nenhuma...
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