
Podemos seguir-lhes os passos, por exemplo,
com Mello Moraes Filho em seu curioso inventário dos ”tipos de rua" da cidade do
século XIX. O mais famoso deles por certo era o príncipe de Obá II d'África,
entre tantos mencionados.Para prosseguir com a realeza das ruas, havia ainda
outro famoso aristocrata negro, o príncipe Natureza -como era conhecido o negro
Miguel, liberto falante e rebuscado, que se autobatizou “D. Miguer Manoer
Pereira da Natureza, sová, Gorá, Vange".Tão popular que suas cômicas
conferências chegaram a ser promovidas em teatros da região central por
estudantes de direito, visando à obtenção de fundos para a sociedade
Abolicionista.Talvez, sem saber, o príncipe Natureza foi responsável pela
remissão de vários cativos. Famoso era também um português conhecido como
Miguelista, cuja conduta escandalosa era, antes de tudo, motivo de risos e
pândegas de molecada.Tinha de costume comum de embriagar-se e o hábito (em todo
caso incomum) de nessas circunstâncias, ficar completamente nu,batendo
ruidosamente com as palmas das mãos nas próprias nádegas a apregoar com toda
força dos pulmões: Vizinhas, estou na área!
Havia também, naturalmente, as mulheres. Maria
Doida, mulata andarilha que vestia simultaneamente várias mudas de roupa para
poupar-se de carregar trouxa muito pesada, era estimada e cuidada pelos
cariocas, a quem fazia rir (e corar, aos mais recatados) com suas tiradas
inconvenientes ou obscenas. Nem tão engraçadas, outras figuras, como a
Forte-Lida, causavam antes piedade e respeito: tratava-se de uma viúva de meia
idade e algumas posses que sem família que a cuidasse, perambulava pelas ruas
sempre acompanhadas de uma escrava amarrada pelo pescoço. Outros personagens da
mesma categoria incorporados à paisagem das ruas são descritos pelo nosso
cronista. Como o Bolenga, crédulo na sua iminente sagração como bispo, ou seu
colega, o padre Quelé, ex seminarista como ele, envergando batina, cujo notório
entusiasmo onanista não impedia que fosse benquisto e reconhecido como um bom
tocador de violão e cantor de Iundus, talentos que era frequentemente convidado
a desempenhar mesmo em casas de família.
Vale lembrar ainda o Policarpo, tido como homem
íntegro e bom pai de família, músico da Capela Imperial durante os dias. Todas
as noites, religiosamente do entardecer até meia-noite, caminhava com seu amigo
Paiva no trajeto entre o passeio público e o Chafariz das Marrecas. Executavam
todos os dias, nesse horário e percurso, uma mesma serenata cujo repertório se
resumia a duas músicas repetidas obsessivamente, para torturados moradores das
redondezas. Próximo ao local da exasperante serenata morava o famoso Chico
Cambraia, louco familiar também apreciado pela sua maestria como cantor de
Lundus, que vivia da caridade pública e residia precisamente na rua do
Hospício-vizinhança que ao que tudo indica nunca o incomodou.
Fonte: Saúde Mental e Cidadania
Fonte: Saúde Mental e Cidadania
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