RETÓRICAS QUE CONTROLAM A LIBIDO INDIVIDUAL E MOVIMENTAM A VIDA EM GRUPO
Por Luana Joplin
No livro “Psicologia do Grupo e análise do Ego” (1921),
Freud afirma que o homem é um animal individual que vive em grupo, porém,
necessita da condução de um líder que unifica o interesse coletivo e coíbe os
impulsos egoístas de seus membros. Essa concepção resume o conceito freudiano
sobre o nascimento da vida comunitária, em outras palavras, sociedade. A
civilização teria sido fruto, segundo Freud, de renuncias pulsionais de seus
membros. Marcuse(1967) denomina essa renúncia de nascimento do instinto organizado.
Ele explica através do conceito freudiano, que o homem nasce com extinto
animal, porém renuncia esse instinto para viver em sociedade, o indivíduo passa
a organizar sua libido.
Esse líder consegue fazer com que através dos seus
discursos, o indivíduo, introduza o devir de renúncia da libido instintiva e a
canalize, centrando-a no investimento da imagem de um grande líder; o ideal do
Eu. Segundo Freud, há um investimento libidinal, na qual facilita o indivíduo
viver em grupo, tendo um ideal edípico.
Deleuze fala de um devir edípico, utilizando uma análise
freudiana sobre o Édipo, no entanto, transfere essa imagem do Édipo para os
discursos institucionais, e utilizarei da análise freudiana para falar da
pulsão de vida.
Esse devir edípico é a moral social, que faz com que o
indivíduo renuncie a sua libido instintiva para viver socialmente, se
inspirando no líder, que possui uma soberania de si, e assim ser inscrito nos
códigos sociais tanto no campo material, quanto no campo simbólico.
O conceito de vida em Roma, era manter a soberania do
Estado, e manter viva a jurisdição, no entanto a imagem Edípica do Estado era o
Soberano, ele era o ideal do Eu; ele mantinha viva a jurisdição, haja vista que
era a lei, era um sujeito imbuído de discurso narcísico, porém hospedeiro do
discurso edípico, na qual proferia ao coletivo, de forma que mantivessem a sua
soberania e respeito. Foucault fala em seu ultimo capítulo
“Governamentabilidade” do livro “Microfísica do poder” (1954), que um líder
para governar deve ter, primeiramente, um governo de si, da família, das
finanças da casa, e assim, ele consequentemente poderia ter o governo sobre o
Estado.
Para que ocorresse o nascimento da civilização, segundo
Freud, foi necessário que um indivíduo fosse instituído como representante dos
ideais coletivos, e estabelecessem regras iguais para todos, agindo assim de
maneira despótica, detendo os prazeres e castrando os interesses. Essa
castração é uma forma de disciplina, e uma maneira de conter a ascensão de
outro líder no mesmo grupo. Essa castração ocorre na sociedade, porém, nunca
impediu que aparecessem outros líderes no mesmo grupo. Esses foram o mecanismo,
segundo Freud, de um líder civilizatório.
Na Idade Media o poder da lei, segundo uma analise
freudiana, que estava antes sob a jurisdição do líder, que representava o pai
simbólico (a Igreja e o Estado), o devir edípico, um pai primitivo (concreto),
onde a pulsão de vida e o conceito de vida era manter viva a jurisdição e
manter a soberania desse Líder. No entanto, essa pulsão de vida é transferida,
ao longo do século XVIII para a instituição (um devir edípico, um pai
simbólico), ao passo que a instituição, simbolicamente, passa a representar o
pai (simbólico) do indivíduo, que antes se inspirava em um líder, haja vista que
a instituição representa o controle, a disciplina, a punição ao indivíduo, tal
qual um pai (material).
A sociedade disciplinar descrita por Foucault tinha como
função vigiar, controlar e punir, torna-se o pai dos indivíduos. No entanto a
pulsão de vida passa a ser manter viva a instituição, através do discurso
edípico, pois além de vigiar e punir, a instituição também curava (hospitais) e
protegia (exército).
A instituição é o lugar onde o indivíduo constrói e afirma
a sua identidade, pois ela determina as regras, manipulando os hábitos e
ditando o aceitável e o inaceitável. Há uma relação edípica com a instituição,
pois somos parte dela, ela esta presente na vida do indivíduo do nascimento até
a sua morte.
Para o indivíduo vinculado a uma instituição, a pulsão de
vida se constitui através da recompensa social, através da labuta, o prazer em
longo prazo, que faz com que o indivíduo sinta o gozo de ter seu instinto
organizado, e através da “recompensa divina” receba do dom da imortalidade,
representada de forma simbólica, pois não desperdiçando um tempo de Deus que é
contado pelos homens, é ter disciplina.
Durante a transição da sociedade disciplinar, descrita por
Foucault para a sociedade de controle, descrita por Deleuze, há uma sublimação
para o bom convívio social, e uma modificação da pulsão de vida.
A pulsão de vida, ao longo da transformação da sociedade
nesse período (o final da primeira metade do século XX), além de manter as
instituições vivas, passa a ser também a necessidade da competição. A fábrica,
de certa forma, além de produzir produtos, produziu também empresas, onde nasce
uma política de mercado, uma certa concorrência, e disputa de consumidor, tal
qual fala Lipovetsky (2007), e dentro da instituição (empresa), há também a
competição, pela recompensa (o salário).
A sociedade de controle, traz consigo a tendência
consumista para a sociedade ocidental, fazendo com que essa sublimação seja
inserida através de práticas discursivas em regras civilizatórias, promovendo
assim o incentivo à competição, colocando o outro como inimigo (simbólico), e
dificultando a tarefa de autopreservação e adaptação do Eu, e assim, a libido
que pulsiona a vida, é canalizada psiquicamente para o consumo. Freud analisa
que;
(...) quando consideramos, o quanto fomos mal
sucedidos exatamente nesse campo de preservação do sofrimento, surge em nós a
suspeita de que também aqui é possível jazer, por trás, desse fato, uma parcela
de natureza inconquistável – desta vez, uma parcela de nossa própria
constituição psíquica. (Freud, 1974:105)
A competição do indivíduo com o outro, e a necessidade de
autopreservação do Eu, faz com que durante esse período, em que o consumo e a
labuta, são impostos pelas instituições como discursos civilizatórios, o
indivíduo anseie pelo modelo de vida que a sociedade enaltece, oferecem, e
fazem com que o indivíduo trabalhe arduamente para conseguir, como uma forma de
preservar o Ego. A retórica imbuída no devir Edípico da sociedade
Hiperconsumista, é a retórica da busca pelo bem estar, e o conforto social.
É interessante se perguntar, se as tecnologias, e os
padrões de vida oferecidos, ao longo do século XX e XXI, surgiram a partir do
desejo do indivíduo, ou se o indivíduo o desejou após terem sido inseridas as
práticas discursivas de desejo nesses modelos sociais. No entanto, o desejo
social trouxe ao longo desses séculos um grande conforto e “bem star” social
para a classe privilegiada, e um grande avanço tecnológico.
No entanto esse modelo de vida, o “bem estar” social,
trouxe um desejo de labuta, e um anseio pelo ideal de vida perfeita para as
classes menos privilegiadas. Lipovetisky (2007) afirma que apesar de se falar
tanto em “felicidade”, nunca houve tanta falta de saúde mental como no século
XX e XXI. De acordo com Lipovetsky;
A imensa maioria se
diz feliz, contudo a tristeza e o estresse, as depressões e as ansiedades,
formam um rio que engrossam de maneia inquietante. Majoritariamente,
declaramo-nos felizes pensando que os outros não o são. (...) jamais os
“distúrbios de comportamento” (entre 5% e 9% dos jovens de 15 anos) e as
doenças mentais destes estiveram tão disseminados (...). Somos cada vez mais
bem cuidados, o que não impede que os indivíduos se tornem uma espécie de
hipocondríacos crônicos. (...) As solicitações hedonísticas são onipresentes:
as inquietudes, as decepções, as inseguranças sociais e pessoais aumentam.
Aspectos fazem da sociedade de Hiperconsumo a civilização da felicidade
paradoxal. (Lipovetsky, 2007:16 e 17)
Durante a primeira metade do século XX o consumo era uma
prática fútil, supérflua, na qual não era acessível a todas as classes sociais,
e já na segunda metade do século XX e início do século XXI, o consumo torna-se
uma necessidade mundial, causando grandes transformações sócio-culturais e a
transformação da pulsão de vida, descrita por Freud.
No entanto, se há um boom
no consumo, há o fenômeno denominado por Lipovetisky de Hiperconsumismo,
hipoteticamente posso dizer que há um boom
na competição, e com isso se a pulsão de
vida, no indivíduo, não é bem sucedida, segundo Freud, ela é convertida para a
pulsão de morte (Thánatos). O consumo
e a competitividade emocional podem trazer um conflito psíquico, e convertendo
a pulsão de vida em pulsão de morte.
Conceito de pulsão de vida passou a reunir pulsão libidinal
e autopreservação do Ego, já a pulsão de morte compreende a castração
libidinal, a não autopreservação do Eu, o que corresponde à loucura, a pulsão
da exclusão, a não aceitação social e cultural do indivíduo na sociedade, ou a
morte em seu real significado, é assim a pulsão de desunião e destrutividade.
Conforme a análise feita pode-se compreender que a pulsão
de morte é um grande obstáculo para a vida em sociedade, pois o ser humano, por
natureza, segundo Freud, possui ambas. No entanto, a partir do convívio social,
a pulsão de vida é ativada, através das renuncias do instinto animal do
indivíduo. A pulsão de Eros é ativada a partir do outro (o convívio social), e
parte da energia destrutiva do indivíduo (Thanatos), tende a ser renunciada
para que haja o convívio em sociedade, assim essa renuncia ocorre quando o
indivíduo olha para o outro e se compara, e tende a querer ser mais, ou igual.
Conforme analisa Lipovetsky (2007), o indivíduo, através
dos mecanismos de consumo, tende a aderir e a se identificar a várias formas de
consumo, para que de certa forma se realize e se complete. É ai que ocorre mais
uma transferência do devir edípico; ou seja, o devir edípico que na Idade Média
era recalcado para o líder social (o estado e a Igreja), e com a instalações de
instituições, há uma transferência desse devir para as instituições, e no final
do século XX, esse devir edípico vai tomar conta dos modelos de vida
consumista, no ideal de felicidade e conforto. O devir edípico passa a estar
para o padrão econômico social. O pai simbólico passa a ser o padrão
consumista, que é criado pelas instituições (pai material).
Assim como a instituição, vigia, controla, pune cura e
protege, o consumo desperta o fetiche, que tanto fala Freud do desejo do filho
Édipo pelo amor da mãe, e para obtê-lo se inspira no pai, entretanto, o fetiche
passa ser o consumo; o indivíduo consome, pois agrada o convívio social,
renuncia a pulsão de morte (a destruição do Eu no convívio social), aguça Eros,
para buscar um ideal de vida inscrito nos padrões sociais, para serem desejadas
pelo pai material, as instituições.
Esse fetiche consumista satisfaz o Ego, mas esse princípio
de satisfação se inicia a partir do Outro (...) o indivíduo morre mais de seus conflitos
internos, mais que a espécie morre de sua luta mal sucedida contra o mundo
externo (...) (Freud, 1975: 175).
Assim, compreendo que o outro é parte do nosso mundo
externo, e o consumo é o fetiche que pulsiona a vida e o convívio com o outro,
ao passo que o outro, no convívio social vai ser notado pelo Eu, e vise versa. Entretanto, o Hiperconsumo,
da mesma forma que motiva o indivíduo do século XX e XXI a vida, pode estimular
também a pulsão de morte, caso não obtenha seu propósito.
Segundo Bauman (2003), a sociedade está sempre
em uma constante transformação, assim, sendo o sujeito um corpo subjetivo, ele
tende a ter sua subjetividade forjada, pelos discursos de nuances culturais,
pelos desejos libidinais, que são canalizados para o desejo que está sendo
manipulado de acordo com determinada sociedade e sua época, que, no entanto,
deterioram seus modos de ser, trazendo assim uma bulimia cultural para novas
transformações. O indivíduo transforma-se culturalmente através do consumo
exacerbado, e maquiando, assim, as cóleras psíquicas.
De acordo com o
autor e psicanalista Benilton Bezerra (2007), em uma entrevista cedida para a
revista “Notícias do Brasil”, sofrer é universal no ser humano, mas a maneira
de sofrer varia em cada contexto histórico. As transformações, o paradoxo de felicidade,
o anseio pelo futuro, e a necessidade da satisfação dos desejos, pode
estar relacionado com as questões da
subjetividade humana, e não tão somente na manipulação, ou orquestração
argumentada pelos devires.
A subjetividade
humana tem aspectos que são universais, que aparecem na experiência de
indivíduos pertencentes a qualquer cultura. As instituições são agentes diretos
no processo da construção da subjetividade, pois ela dita as regras de convívio
social, e dita o que é ou não aceitável. A instituição cria, transforma, molda
e manipula a identidade do indivíduo, ela é a influência do reflexo da
identidade individual e da relação do indivíduo com o coletivo. Somos em grande
parte governados por impulsos e inibições que não dominamos, o nosso desejo
libidinal é responsável por grande parte das transformações sociais no
indivíduo, e é também um controle remoto manipulado pelas instituições, onde
ela impõe as novidades a serem desejadas, produzindo novas culturas, bulimias
culturais, verdades, mentiras, fatos e por que não dizer, moldando o percurso
social do indivíduo, e enaltecendo através de retóricas imbuídas nos mecanismos
econômico-sociais, a aquiescência do desejo individual pelo prazer social.




Queria as referencias =P
ResponderExcluir